Nem toda deficiência é visível
- Silvana Pozzobon
- há 2 dias
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Há um ponto cego social que insiste em atravessar gerações: a ideia de que só existe deficiência quando o olho reconhece.
A imagem da cadeira de rodas, da prótese, da muleta… tudo isso se tornou símbolo imediato. Mas o que não entra no campo da visão é, justamente, o que mais desafia nossa maturidade humana: as deficiências invisíveis.
Vivemos um tempo em que se olha muito e se enxerga pouco. A pressa tornou-se regra, o julgamento virou vício e a empatia, ironicamente, virou exceção. No cotidiano das escolas, das empresas, das famílias, circulam pessoas que convivem com dores silenciosas: neurodivergências, deficiências sensoriais, limitações cognitivas, transtornos crônicos e que, por não carregarem um marcador visível, são tratadas como “normais demais para precisarem de acolhimento”.
A Neurociência mostra que o cérebro humano é especialista em atalhos; ele vê, conclui e reage antes de compreender.
E é nessa velocidade que se produz injustiça. Porque o olho, sozinho, não é capaz de interpretar a complexidade do outro. A Psicanálise reforça, o que nos incomoda, o que não entendemos, o que nos desafia, geralmente revela nossas próprias sombras, não a verdade sobre o outro. Por isso é tão fácil minimizar a dor alheia quando não há sinal físico para nos lembrar dela.
E na vida real, não a idealizada, mas a crua, pessoas com deficiências invisíveis carregam o peso duplo de lidar com suas condições e justificar sua legitimidade. O estudante que se esgota por causa de um TDAH, mas é chamado de “desatento”. O adulto com perda auditiva leve, acusado de “não prestar atenção”. A pessoa com dor crônica que ouve “mas você nem parece doente”. Essa violência simbólica desorganiza o emocional, afeta o cognitivo e corrói a autoestima.
Reconhecer o que não se vê é um ato de humanidade sofisticada. Exige desacelerar, suspender julgamentos automáticos, perguntar antes de concluir, acolher antes de rotular. Exige treinar o olhar para além da superfície, porque o ser humano é sempre mais profundo do que aquilo que aparece.
O Dia Internacional da Pessoa com Deficiência não é um lembrete anual para postar solidariedade; é um chamado diário para reconfigurar nossa percepção do humano. Acessibilidade não é só rampa é atitude. Inclusão não é só discurso é prática. Respeito não é só norma é escolha cotidiana.
Nem toda deficiência é visível. E é justamente aí que mora a urgência da empatia verdadeira, aquela que não precisa ver para compreender, nem enxergar para acolher.




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